O NAVIO INVISÍVEL

Crônica – O NAVIO INVISÍVEL

Abordo de um Navio Invisível repleto por dificuldades que cerca a maioria dos CLT do país descobrimos um novo lado da moeda do qual jamais imaginamos existir. A história do primeiro emprego começa repleta de entusiasmo. Desde pequenos, ouvimos que o sucesso está ao nosso alcance se seguirmos os passos certos: estudar, nos formar, encontrar um trabalho e conquistar a tão sonhada independência financeira. O brilho nos olhos diante da carteira de trabalho assinada é inegável. O mundo parece nos abraçar com promessas de realizações, de segurança e estabilidade. E então, a jornada se inicia.

No começo, é uma sensação de conquista. O esforço finalmente compensou: você tem o emprego. Acordar cedo, enfrentar o trânsito, ou quem sabe pegar o transporte público lotado, já parece parte do ritual sagrado. As primeiras semanas são embaladas por um misto de aprendizado e desafio. O tempo, ainda novo nessa rotina, parece correr ao seu favor. Você ainda não sente o peso.

Mas, aos poucos, a rotina vai se solidificando. O despertador toca e, em vez de excitação, você sente uma leve resistência ao levantar. O dia começa às 7h ou até mais cedo. Café, correria e, logo, já está imerso nas demandas do trabalho. As horas passam, e o intervalo para o almoço surge como um breve respiro entre a liberdade e a volta ao compromisso. São apenas 60 minutos, talvez 90, mas a mente nunca se desliga completamente.

Você percebe, então, que a conta do dia não bate. Das 24 horas, seis delas precisam ser entregues ao sono, um descanso que parece cada vez mais insuficiente. Oito horas são dedicadas ao trabalho, e entre deslocamentos, pausas e a preparação mental, mais uma ou duas se esvaem. Quando você olha para o relógio ao fim do expediente, percebe que mais da metade do seu dia foi consumida. O corpo cansa, mas o pensamento sobre as tarefas, os prazos, os problemas pendentes, ainda te acompanha para casa.

As horas que restam para você — aquelas oito em que deveria viver, relaxar, ser quem realmente é — se tornam cada vez mais nebulosas. O cansaço mental se mistura à sensação de que o tempo passa rápido demais. O relógio, um aliado antes do trabalho, vira um lembrete cruel da sua falta de controle. Mesmo nas horas de folga, o trabalho está ali, em pensamentos que não param, em preocupações com o amanhã, no constante planejamento para “fazer mais e melhor”.

A ilusão da liberdade se quebra. Aquele sonho do primeiro emprego, que deveria ser o caminho para a realização, se transforma em uma armadilha. E o que era para ser o começo de uma vida autônoma, parece mais com uma prisão de tempo. Afinal, o que sobra de um dia vivido para o trabalho? O tempo de ser livre, de criar, de se conectar consigo mesmo e com os outros, vai se reduzindo. No final, das 24 horas que o dia nos dá, percebemos que 16 já foram doadas. Sobram apenas oito, nas quais aprendemos a sobreviver, mas já não sabemos como realmente viver.

Essa é a conta oculta do CLT: o tempo de vida diluído em compromissos que nunca param. E, quando você finalmente se deita, na tentativa de recuperar o fôlego, percebe que, mesmo ali, o trabalho não saiu de você.

Mergulhando fundo nas águas das nossas relações de trabalho

Uma das inúmeras reflexões que fica, passa pela pequena analogia de um dos principais sucesso do cinema mundial, o TITANIC.

Pensem no Titanic, aquele imenso navio que naufragou em 1912, famoso por sua grandiosidade e pela rígida divisão entre as classes sociais a bordo. A primeira classe era símbolo de luxo e ostentação, enquanto as classes mais baixas ficavam esquecidas nas profundezas do navio. No entanto, havia um grupo que pouca gente valorizava, mas que era fundamental para que o Titanic navegasse sobre as águas: os trabalhadores que alimentavam as caldeiras com carvão. Eles ficavam escondidos, fora da vista dos passageiros, em condições precárias, mas eram os verdadeiros responsáveis por mover a embarcação. Sem eles, aquele luxuoso navio jamais teria saído do porto.

Esses trabalhadores, invisíveis e esquecidos, são uma metáfora poderosa para muitas pessoas no mundo dos negócios. Quando você trabalha para uma empresa de pequeno porte, onde o dono é seu chefe direto e, ao mesmo tempo, seu colega no dia a dia, a realidade que se desenha é bem diferente do que muitos imaginam. Você se depara com todos os problemas que podem te afundar, e o pior: não há para quem pedir socorro. O dono é seu chefe, seu gerente e também o responsável pelo RH. Ele conhece suas dificuldades, sabe de todas as tensões que você enfrenta semana após semana, mas, quando a situação apertar, ele não hesitará em te demitir, como se todo o seu esforço fosse descartável.

Agora, se você trabalha em uma empresa de grande porte, a sensação é outra, mas nem por isso mais fácil. De um lado, você experimenta os benefícios de estar em uma estrutura sólida e regulamentada: férias remuneradas, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, abono salarial, vale-refeição, vale-transporte e até plano de saúde. São direitos garantidos pela lei, e a empresa cumpre o seu papel. Parece ideal, certo? Entretanto, a realidade corporativa vai além dos números e dos benefícios listados no papel.

O outro lado dessa moeda, aquele que ninguém gostaria de carregar no bolso, revela um cenário de crescentes problemas de saúde mental. Pesquisas recentes apontam para um aumento alarmante de casos de depressão, ansiedade, síndrome do pânico e estresse ocupacional, tudo isso alimentado por agendas sobrecarregadas, cobranças desmedidas e constantes conflitos no ambiente de trabalho. Além disso, há uma desconexão crescente entre gestores e colaboradores, uma falta de comunicação que intensifica o sofrimento diário.

E aí surge a pergunta: de quem é a culpa? Será das pressões do mercado? Das empresas que priorizam o lucro sobre as pessoas? Dos gestores que não sabem liderar com empatia? Ou do sistema, que transforma o trabalho em uma corrida implacável, onde o bem-estar individual é constantemente ignorado? Seja qual for a resposta, o resultado é claro: o custo da vida moderna muitas vezes ultrapassa o limite do que a saúde e a dignidade humana podem suportar.

O NAVIO INVISÍVEL – Descobrindo novos ares

E eu, como exemplo de trabalhador que vive intensamente as rotinas, descobri algo revelador ao “sair do convés” do navio onde trabalho. A grande ironia é que, enquanto a classe dominante — aquela que controla o destino do imenso navio — parece distante, ela muitas vezes demonstra mais empatia do que os pequenos “chefes”, aqueles gerentes que se iludem com o poder limitado que possuem. Eles, iludidos pelo pequeno feudo que gerenciam, acabam acreditando que são donos de todo o negócio, esquecendo-se da verdadeira estrutura que sustenta o império.

Assim como no Titanic, onde os passageiros das classes superiores raramente se preocupavam com os trabalhadores que alimentavam as caldeiras nas profundezas do navio, a elite empresarial muitas vezes não enxerga o esforço invisível dos operários que mantêm a engrenagem funcionando. No entanto, o verdadeiro desprezo não vem necessariamente dos que estão no topo, mas de quem está em posições intermediárias — gerentes que, presos à ilusão do poder, perdem de vista a importância de quem realmente mantém o “navio” flutuando.

Esses gerentes, ao contrário dos verdadeiros líderes, parecem esquecer que o sucesso e a continuidade do negócio dependem da classe operária, daquelas mãos invisíveis que, no silêncio do trabalho, sustentam o luxo e a grandiosidade que brilham na superfície. Assim, a falta de vigilância e cuidado da classe dominante é grave, mas a falta de reconhecimento e empatia dos pequenos chefes, que deveriam estar mais próximos dos trabalhadores, é ainda mais insidiosa. São eles que, movidos pela vaidade e pelo falso senso de autoridade, acabam tratando os subordinados como peças descartáveis, perpetuando um ciclo de desprezo e desvalorização.

No fim, a classe operadora segue invisível, carregando nas costas o peso de um império que só continua de pé — ou, no caso, flutuando — graças ao seu esforço constante. Contudo, o perigo maior está naqueles que, achando-se proprietários de algo que não lhes pertence, acabam desumanizando o trabalho e os trabalhadores, sem perceber que, sem essas mãos invisíveis, o navio que comandam um dia inevitavelmente afundará.

https://www.pontotel.com.br/o-que-e-clt/

https://entrelinhasetelas.com.br/wp-admin/post.php?post=36&action=edit

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *