Quando o amor desiste em silêncio – O tempo
Entre as horas suspensas da madrugada e o frio cortante do amanhecer, reside a dor silenciosa daqueles que amam, mas que, por um capricho do destino, acabam se afastando prenunciando que quando o amor desiste em silêncio nem o tempo é capaz de estabelecer os lanços prestes a ser desatado . É um processo sutil, quase imperceptível. Ninguém percebe o instante exato em que o amor, antes tão firme, começa a se dissipar como fumaça no ar. Primeiro, é uma pequena indiferença, depois um silêncio que se prolonga mais do que deveria, até que, sem aviso, o vazio começa a se instalar, sorrateiro, como quem chega de mansinho. E quando o casal se dá conta, já estão a distâncias imensas, seja fisicamente, seja em pensamento e sentimento.
O amor tem seus próprios mistérios, sua dança de encontros e desencontros. Ele surge quase como um destino, e quando nos damos conta, estamos irremediavelmente envolvidos. Nos primeiros momentos, tudo parece perfeito – cada gesto é cuidadosamente acolhido, cada falha é suavemente ignorada, e as diferenças parecem tão pequenas que se tornam até charmosas. Mas o tempo, que a tudo observa, revela nuances que nos escapam quando o amor é ainda uma novidade fresca. E aos poucos, como quem desfaz um laço, o amor começa a se desprender em silêncios.
Realidade
O desgaste de um relacionamento não é algo que se revela de uma só vez. Não há um anúncio ou um marco visível. Ele é como uma erosão sutil, que corrói dia após dia. Na maioria das vezes, o amor começa a se perder em gestos cotidianos, nos desencontros dos horários, nos olhares que passam a se desviar. O silêncio se instala, não de forma ruidosa, mas sorrateira. Surge nos intervalos das conversas, nos jantares sem assunto, nas noites que não se prolongam em risos. E o mais doloroso disso tudo é que, muitas vezes, quem está ali, vivendo esse amor, mal percebe que ele está indo embora. A ausência de brigas não significa paz; às vezes, significa apenas resignação.
Ao longo do tempo, a sociedade nos ensinou que o amor verdadeiro deve ser eterno, inabalável. Nos venderam a ideia de que é preciso lutar por ele a qualquer custo, superar todas as barreiras e que os casais felizes são aqueles que permanecem juntos, independentemente das dificuldades. Mas pouco se fala do peso que esse ideal impõe, da pressão de transformar um sentimento humano e imperfeito em algo resistente como pedra. Não nos ensinam que o amor pode falhar, que ele tem um ciclo natural, e que, algumas vezes, o melhor a fazer é aceitar sua partida. Afinal, o amor não precisa ser eterno para ser verdadeiro. Ele precisa apenas ser honesto enquanto durar.
Aceitação
Há amores que nascem da necessidade de completude, do desejo de encontrar alguém que preencha nossos vazios, que nos ajude a enfrentar as sombras que guardamos. E, enquanto dura, esse amor parece nos salvar. Mas o amor, por mais belo que seja, não é uma cura milagrosa. Ele não tem o poder de consertar nossas falhas ou de resolver os dilemas da alma. O outro não é responsável por nos preencher; essa é uma responsabilidade que cabe apenas a nós mesmos. Quando colocamos no amor a expectativa de remendar nossas dores, estamos apenas adiando o inevitável. Um dia, essas falhas virão à tona, e é aí que começa o verdadeiro desafio.
Aprender a lidar com as falhas do outro é, talvez, uma das grandes lições que o amor nos oferece. Nos primeiros dias, essas falhas parecem pequenas, e nossa paciência é generosa. O amor nos faz acreditar que tudo pode ser resolvido, que o que importa é estar junto. Mas, com o passar do tempo, a paciência se desgasta, e as falhas, antes toleráveis, se tornam pesadas. A pergunta, então, surge silenciosa: até onde devemos suportar? Até onde o amor justifica o sacrifício de si mesmo?
É comum que, nessa etapa, nos tornemos reféns de uma memória idealizada. Guardamos com carinho as lembranças dos primeiros dias, dos gestos de carinho, dos olhares apaixonados, e isso nos dá forças para continuar. Mas a verdade é que o amor não se sustenta apenas de lembranças. Ele precisa ser renovado, alimentado. Quando o amor se torna uma prisão, um compromisso que exige mais do que estamos dispostos a dar, é hora de questionar. Pois o amor verdadeiro não sufoca; ele liberta. Ele permite que o outro seja quem é, com suas falhas e virtudes, mas jamais ao custo de anular quem somos.
O fim
Há uma pequena linha entre a aceitação das falhas do parceiro e a submissão a um amor que já não nos faz bem. Ser capaz de lidar com as imperfeições do outro é parte do processo de amar, mas amar não é sinônimo de resignação. Existe uma diferença importante entre aceitar e se anular. É preciso ter coragem para perceber quando o amor se torna um fardo e quando ele nos aprisiona mais do que nos inspira. Amar, afinal, é um ato de liberdade, e a liberdade exige movimento, exige a possibilidade de deixar ir.
O amor que silencia não é um amor que vale a pena lutar. Viver um grande amor, ainda que temporário, é um presente. E deixar que ele vá, quando necessário, é um ato de respeito a si mesmo. Quando o amor desiste em silêncio, a maior lição que ele nos deixa é que ele é um convite ao autoconhecimento. Ele nos mostra quem somos, o que buscamos, o que estamos dispostos a compartilhar e o que jamais devemos sacrificar.
A sociedade nos ensina a buscar o “amor da vida toda”, mas poucas vezes nos ensina que a nossa vida toda já está aqui, conosco. Que cada relacionamento é uma experiência que nos aproxima mais de nós mesmos, que nos permite crescer e aprender, mas que o amor mais importante, aquele que realmente deve durar para sempre, é o amor próprio. Esse, sim, deve ser eterno, inabalável, forte o suficiente para nos permitir seguir em frente, mesmo quando o amor do outro decide partir.
Quando o amor desiste em silêncio – O Recomeço
E é nesse período de autodescoberta que percebemos que o amor próprio nos ensina a valorizar nossa própria jornada. Nos faz perceber que somos inteiros, completos, e que o outro é uma companhia, uma parceria, mas jamais uma metade que nos falta. Amar é um ato de coragem, mas saber quando parar de amar é um ato de sabedoria. Saber respeitar o momento em que o amor se despede é um ato de grandeza. Porque, no fundo, o amor verdadeiro é aquele que nos deixa livres, livres para ser quem somos, livres para partir quando necessário, e livres para amar novamente, sem medo.
O amor silencia, sim, mas ele deixa uma herança silenciosa: a certeza de que a vida é feita de ciclos, e que, a cada amor vivido, nos tornamos mais fortes, mais inteiros, e mais preparados para enfrentar as próximas páginas desse grande livro que é a vida.
Autor: Áquila Gomes
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